Conselheiro Lafaiete 235 anos, das entranhas desta terra você se elevou - Vitória Imperial

Conselheiro Lafaiete 235 anos, das entranhas desta terra você se elevou

 CONSELHEIRO LAFAIETE 235 ANOS, DAS ENTRANHAS DESTA TERRA VOCÊ SE ELEVOU


 


Nas entranhas desta terra — onde o calcário e o rio desenham memórias — ergue-se Conselheiro Lafaiete, que em 2025 celebra os seus 235 anos desde a elevação a vila, ato que assinalou uma presença humana organizada no Alto Paraopeba e inaugurou um tempo cívico que atravessaria impérios, revoltas e ofícios quotidianos. A data fundacional oficialmente recordada é 19 de setembro de 1790, quando a Real Vila de Queluz foi instituída, marco que hoje ilumina a longa continuidade histórica do lugar. 

Antes dessa letra jurídica, porém, havia voz: os aldeamentos puris conhecidos como Carijós contaram-se à paisagem — relatos de viajantes e bandeirantes já registravam sua presença desde o fim do século XVII. A região tornou-se ponto de apoio e passagem, atravessada pelo Caminho Novo, rota que ligava as Minas ao litoral e que imprimiu ao território função estratégica nas rotas do ouro e no movimento das gentes. A paróquia primitiva de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós, instituída em 1709, e o templo cuja construção atual começa no primeiro terço do século XVIII, testemunham essa longa sedimentação religiosa e social. 

O desenvolvimento de Queluz não seguiu um único fio: mineradores, agricultores e trocadores de rumo entre as vilas vizinhas teceram uma economia mista que distinguiu a localidade de muitos outros arraiais estritamente auríferos. No século XIX, a vida política e judiciária consolidou-se — a vila prosperou até ser elevada, por lei provincial de 1866, à categoria de cidade, e em 1872 ganhou Comarca, assinalando a formalização de instituições que organizariam justiça e administração locais. 

As pedras e as igrejas guardam narrativas de conflitos: a Matriz, além de espaço litúrgico, foi palco e refúgio em momentos de agitação — como durante a Revolução Liberal de 1842 — e passou por restauros que recuperaram sua fisionomia setecentista, ligando presente e passado num gesto conservador e criador. Esses bens materiais — casarões, chafariz da Praça Barão de Queluz, teatros e arquivos — constituem o inventário visível das camadas históricas que permitem ler a cidade como palimpsesto. 

Em 1934, a cidade recebeu o nome que hoje conhecemos: Conselheiro Lafaiete — homenagem a Lafayette Rodrigues Pereira, filho local que se destacou no cenário jurídico e político nacional — mudança onomástica que também foi ato de afirmação identitária num Brasil em plena reorganização republicana. 

Hoje, a cidade conserva seu papel estratégico entre polos do Sudeste, com uma população que vem sendo mensurada e descrita nas estatísticas de órgãos públicos e em estudos regionais: território de indústria, serviços e um hinterlândia agrícola que dialoga com a mineração moderna e com os corredores de exportação que ligam Minas aos portos do Sudeste. Essa contemporaneidade não apaga os séculos anteriores; antes, faz-los ressoar em novas modalidades de economia e de sociabilidade. 

Ao celebrar 235 anos, é preciso olhar para além das placas comemorativas: ler os sulcos do solo, escutar os nomes das ruas, reconhecer as vozes que foram silenciadas e as que se mantiveram — indígenas, escravizados, lavradores, artesãos, comerciantes, magistrados e migrantes — todos participantes dessa tessitura. A grande lição é a da continuidade em transformação: a cidade que nasceu em rota de passagem aprendeu a ser estância, abrigo e ofício; aquilo que foi caminho tornou-se cidade; aquilo que foi vila tornou-se arquivo de si mesma.

Que os 235 anos sirvam, portanto, como convocação — não apenas para celebração episódica, mas para cuidar do patrimônio material e imaterial, para escavar memórias silenciadas e para projetar um futuro que saiba portar a densidade do passado com justiça e imaginação. Eis as entranhas desta terra: pedra, água, nomes e atos; e, acima de tudo, o contorno humano que lhes deu voz.

Uma crônica respeitosa em reverência à cidade e aos seus 235 anos, reflexão de Patrick Kouark.

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