Uma Leitura Geopolítica Atual Por Carlos Egert
No alvorecer da década de 2020, as relações internacionais assistem a um redesenho estratégico nos centros de poder global e hemisférico, em que os Estados Unidos (ainda predicando a primazia de sua doutrina de segurança), buscam reafirmar sua influência em múltiplos teatros de importância geoestratégica, desde as Américas até o coração da Eurásia e o Oriente Médio.
América Latina e a Nova Doutrina Hemisférica dos EUA
Sob a égide de uma nova Estratégia de Segurança Nacional que prioriza o Ocidente e reclama a defesa dos interesses norte-americanos no campo mais próximo de seu “quartel” geopolítico, Washington reconfigura sua presença na América Latina com vigor renovado. A Casa Branca, sob a égide da doutrina do “América First”, impulsiona uma política de maior assertividade em sua vizinhança. A estratégia soberanista versão Trump aposta em uma espécie de “Corolário de Monroe” atualizado para o século XXI, no qual a diminuição de fluxos migratórios, o combate ao narcotráfico e a contenção de influências externas (notadamente de Pequim e Moscou), passam a ser pilares centrais de sua diplomacia na região. O documento estratégico denomina o Hemisfério Ocidental como a maior prioridade para a segurança dos EUA e propõe redesenhar alianças políticas e econômicas para reduzir atividades ilícitas e fortalecer parcerias alinhadas com seus interesses hegemonísticos.
Nesse quadro, a chamada Operação Southern Spear ilustra o caráter prático dessa reorientação: trata-se de uma campanha militar e de vigilância baseada no emprego de uma frota híbrida, combinando meios tradicionais com embarcações e drones autônomos, com o objetivo declarado de combater o tráfico de drogas no Mar do Caribe e no Pacífico ocidental. Esta operação, lançada formalmente em novembro de 2025, marcou um retorno sem precedentes da presença naval dos EUA na região, incluindo ataques aéreos contra embarcações que Washington classifica como operadas por “narco-terroristas”.
Complementando estas ações, as recentes apreensões de petroleiros venezuelanos sob alegações de vínculos ilícitos com regimes sancionados, e a mobilização de porta-aviões e navios de guerra ao largo da costa venezuelana, acentuam a dimensão militarizada da política hemisférica norte-americana. Caracas reagiu às operações denunciando “pirataria internacional”, refletindo a profunda tensão bilateral entre os dois governos.
Narcotráfico, Estados Unidos e Dinâmicas Regionalizadoras
O combate ao narcotráfico, embora frequentemente justificado em termos de segurança doméstica norte-americana, tem sido reinterpretado por analistas como um instrumento de reforço da presença estratégica dos EUA. Aventura historicamente iniciada por Richard Nixon na década de 1970 evoluiu para uma lógica de cooperação político-militar ampliada em toda a América Latina e no Caribe, não apenas contra cartéis, mas também contra estruturas de Estado consideradas hospedeiras ou permissivas ao crime organizado. 
Não obstante, essa abordagem enfrenta críticas quanto à sua eficácia e ao potencial de agravamento de instabilidades locais. Debates acadêmicos sugerem que estratégias de combate frontal aos cartéis acabam por exigir modalidades mais integradas de políticas sociais e de desenvolvimento, num equilíbrio difícil entre medidas de segurança e reformas estruturais para reduzir a violência profundamente enraizada em certas sociedades da região.
A RIVALIDADE: RÚSSIA, CHINA E EUA
No plano global, a rivalidade entre potências como os EUA, a Rússia e a China caracteriza-se hoje por um deslocamento de foco estratégico que vai além dos antigos alinhamentos da Guerra Fria. O recente discurso de Washington de que seria necessário “desunir” Moscou de Pequim e de impedir a consolidação de uma frente comum entre os dois grandes rivais, reflete a persistente tentativa norte-americana de aplicar uma clássica estratégia de divide et impera, adaptada aos novos tempos geopolíticos.
Enquanto a administração dos EUA pondera estas relações de poder, a Rússia continua engajada em um confronto prolongado com a Ucrânia, cujo impacto transcende o campo de batalha. O conflito tem mobilizado recursos militares significativos e colocado à prova a coesão dos blocos de segurança ocidentais, levando aliados a reforçarem compromissos defensivos e a repensarem suas políticas diante das persistentes ambições geopolíticas russas. A guerra na Ucrânia assim permanece como um símbolo da luta contemporânea entre ordens internacionais rivais, testando a resiliência das alianças e a eficácia das sanções econômicas coordenadas.
ISRAEL, FAIXA DE GAZA E NOVOS DESAFIOS
No Oriente Médio, o conflito entre Israel e grupos palestinos (epicentro da crise na Faixa de Gaza) continua a reverberar, apesar de esforços temporários de cessar-fogo e negociações de paz. Planos esboçados em 2025 contemplaram até visões ousadas de administração ou redesenvolvimento da própria Gaza sob diferentes pressupostos políticos, gerando não apenas reações regionais, mas fortes críticas internacionais. 
O apoio inabalável dos EUA a Tel Aviv, interpretado por estudiosos como parte de uma estratégia de projeção de poder no Oriente Médio, ressalta a importância que Washington atribui a um aliado estratégico numa região vital para a segurança energética global e para os equilíbrios geopolíticos euro-asiáticos. Essa presença diplomática e militar reforça uma narrativa em que os interesses de segurança nacional norte-americanos e os de manutenção de estabilidade regional frequentemente se entrelaçam.
UM TABULEIRO GLOBAL EM FLUXO
Ao contemporizar essas narrativas: desde a América Latina e o combate ao narcotráfico até os grandes eixos de confronto na Eurásia e no Oriente Médio, emerge um quadro complexo em que os Estados Unidos, embora afirmem uma estratégia pragmática, continuam a navegar entre velhas doutrinas e novas realidades multipolares. As tensões com a Rússia, a contenção à ascensão chinesa, a reafirmação de laços estratégicos com Israel e o redimensionamento das políticas no hemisfério ocidental ilustram não apenas objetivos de poder, mas o esforço contínuo de uma potência em rearticular sua presença num sistema internacional em profunda transformação.
Carlos Egert
Historiador, jurista, analista de Relações Internacionais

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