Plebiscito de 2026: Entre a História, o Direito e a Busca Por Estabilidade Institucional - Vitória Imperial

Plebiscito de 2026: Entre a História, o Direito e a Busca Por Estabilidade Institucional

 


Por Carlos Egert

Jurista, analista de Relações Internacionais e cientista político

Colunista do Vitória Imperial


O Brasil voltou a tocar, ainda que com cautela institucional, em uma de suas mais profundas questões fundacionais: a forma de governo. Tramita atualmente no Senado Federal, por meio da Sugestão Legislativa nº 09/2024, apresentada via plataforma e-Cidadania, uma proposta que visa a realização de um plebiscito nacional em 2026 para consultar o eleitorado acerca de uma eventual restauração da monarquia constitucional parlamentarista no país. Longe de delírios ou revisionismos ingênuos, o tema emerge como reflexo direto de uma sociedade politicamente fatigada e em busca de alternativas estruturais ao modelo vigente.


A sugestão, que ultrapassou a marca de 30 mil apoios populares, foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, onde se encontra em fase inicial de análise. Importa esclarecer, desde logo, que não se trata de uma decisão consumada, tampouco de convocação automática de consulta popular. O caminho legislativo ainda é longo: a proposta precisaria ser convertida em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou em projeto normativo específico, submetido à aprovação do Senado e da Câmara dos Deputados, para então ser regulamentado. O que existe, portanto, é possibilidade jurídica e abertura institucional, não fato consumado.


Sob o prisma constitucional, convém dissipar um equívoco recorrente: a forma republicana de governo não está expressamente inscrita como cláusula pétrea na Constituição de 1988. As cláusulas imutáveis referem-se à separação de poderes, ao voto direto, secreto, universal e periódico, e aos direitos e garantias fundamentais. A Constituição admite, em tese, que a soberania popular seja consultada acerca da forma de governo, desde que respeitados os ritos democráticos e constitucionais. Assim, um plebiscito dessa natureza não afronta, por si, o texto constitucional — sobretudo quando se fala em monarquia parlamentarista, plenamente compatível com regimes democráticos consolidados.


É igualmente necessário contextualizar o precedente histórico de 1993, quando o Brasil realizou um plebiscito constitucional para decidir entre república e monarquia, presidencialismo e parlamentarismo. À época, a monarquia obteve cerca de 10% dos votos, em um processo marcado por escassa informação pública, forte assimetria de recursos e elevado número de votos nulos e brancos. O resultado consolidou o status quo, mas revelou, sobretudo, que consultas populares sem debate pedagógico profundo tendem a reproduzir a inércia institucional, não escolhas conscientes.


A proposta atualmente em debate distingue-se, porém, em um ponto crucial: não propõe o retorno personalista de um imperador, mas a adoção de um modelo parlamentarista com chefe de Estado monárquico constitucional, dotado de funções simbólicas e moderadoras, à semelhança do que ocorre em democracias como Reino Unido, Espanha, Suécia ou Japão. O chefe de governo, nesse arranjo, seria escolhido pelo Parlamento, reduzindo a hipertrofia do Executivo e a personalização excessiva do poder — um dos males crônicos da política brasileira.


Do ponto de vista da ciência política, é inegável que cresce, ainda que de forma difusa, um contingente de brasileiros que questiona a eficácia do presidencialismo de coalizão e observa com interesse modelos institucionais mais estáveis. O movimento monarquista no Brasil jamais desapareceu; manteve-se minoritário, porém constante, desde 1889, com presença acadêmica, histórica e cultural. Todavia, é igualmente verdadeiro que o apoio popular ainda é limitado, especialmente nos grandes centros urbanos, o que torna imprescindível um esforço sério de esclarecimento, estudo comparado e debate público honesto.


Assim, o eventual plebiscito de 2026 deve ser compreendido em duas dimensões complementares. Ele possui, sim, potencial real, pois decorre de instrumento legítimo de participação cidadã, encontra respaldo jurídico plausível e dialoga com tendências contemporâneas de busca por estabilidade institucional. Mas possui também forte valor simbólico: simboliza um país que se permite refletir sobre seus fundamentos, que não trata sua forma de governo como dogma intocável, e que ensaia um amadurecimento democrático ao revisitar, sem paixões rasas, sua própria história constitucional.


O debate sobre a monarquia não é nostalgia; é teoria do Estado aplicada à realidade brasileira. Se o plebiscito vier a ocorrer, seu maior mérito não será necessariamente o resultado, mas a qualidade do debate que o anteceder: desde que este seja plural, juridicamente responsável e pedagogicamente robusto. Em tempos de crise de confiança nas instituições, perguntar-se sobre a arquitetura do próprio sistema político não é fraqueza: é sinal de maturidade histórica.

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