Do Trono à República: A epopeia constitucional do Brasil
DO TRONO À REPÚBLICA: A EPOPEIA CONSTITUCIONAL DO BRASIL
A história constitucional brasileira não é uma simples sequência de textos jurídicos. É, antes, um espelho da luta permanente entre centralização e autonomia, estabilidade e mudança, tradição e ruptura. Do Império à República, o Brasil experimentou quase todas as formas constitucionais modernas, moldando suas instituições a partir de circunstâncias políticas, culturais e até mesmo sentimentais que marcaram cada época.
Em 25 de março de 1824, o Brasil recebeu sua primeira Constituição, outorgada por Dom Pedro I após a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823. Influenciada pelo liberalismo europeu do século XIX, mas adaptada à realidade nacional, a Carta deu forma a um regime monárquico, hereditário, representativo e constitucional.
O elemento mais singular foi o Poder Moderador, exclusivo do Imperador, inspirado no pensador francês Benjamin Constant, mas reconfigurado para um país de dimensões continentais e múltiplas tensões regionais. O Moderador não era um quarto poder no sentido tradicional, mas uma chave de equilíbrio entre Legislativo, Executivo e Judiciário, uma espécie de guarda das instituições, capaz de intervir para preservar a unidade nacional.
O sistema legislativo adotado era bicameral, com Câmara dos Deputados eleita indiretamente e Senado vitalício nomeado pelo Imperador a partir de listas tríplices. O Estado tinha religião oficial, o catolicismo apostólico romano, embora tolerasse outros cultos de forma restrita.
No Primeiro Reinado, de 1822 a 1831, a Constituição serviu de instrumento de consolidação do poder central. Já no Segundo Reinado, de 1840 a 1889, após o turbulento período regencial e o Ato Adicional de 1834, que descentralizou parcialmente o poder, o Império encontrou um equilíbrio mais estável, sem, contudo, eliminar por completo as disputas entre centro e províncias.
A Proclamação da República em 1889 não foi apenas uma troca de regime, mas uma redefinição da arquitetura política. A Constituição de 1891, fortemente inspirada no modelo norte-americano, instaurou o federalismo, a separação definitiva entre Igreja e Estado, o presidencialismo e o voto direto, ainda restrito por critérios censitários e de gênero.
Seguiram-se Constituições que refletem os humores e crises do Brasil republicano: a de 1934, resultado da Revolução de 1930 e da pressão constitucionalista paulista, incorporou direitos trabalhistas, voto secreto e sufrágio feminino; a de 1937, conhecida como Polaca, concentrou poderes no Executivo, extinguiu partidos e instaurou censura, legitimando o Estado Novo de Vargas; a de 1946 restaurou liberdades democráticas, mantendo direitos sociais e reequilibrando poderes; a de 1967, com alterações pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, consolidou o regime militar, ampliando restrições civis e fortalecendo o Executivo; a de 1988, a Constituição Cidadã, ampliou garantias individuais e sociais, inaugurando uma fase inédita de participação popular e detalhamento normativo.
Ao percorrer esta linha do tempo, alguns marcos se destacam: o Poder Moderador como inovação singular; o Ato Adicional de 1834, descentralizador; a ousadia da Constituição de 1934 ao inserir direitos sociais e o voto feminino; e o hiperpresidencialismo autoritário de 1937 e 1967 como resposta a crises institucionais. A Constituição de 1988, por sua vez, é fruto direto da abertura política e de uma Constituinte que buscou incluir múltiplas vozes, ainda que, para alguns, tenha criado um texto excessivamente extenso e engessado.
Na perspectiva das ciências políticas, nossa história constitucional é um permanente exercício de equilíbrio entre estabilidade e abertura democrática. Na história do Direito, ela revela a maleabilidade de um país que se reinventa sem perder, totalmente, o fio de sua própria tradição. Do trono de Pedro II às disputas eleitorais do século XXI, o Brasil segue tentando harmonizar autoridade e participação, lei e soberania popular, um desafio que, ao que tudo indica, não se encerra com a mera promulgação de uma Constituição.
Por Carlos Egert
Cientista Político, Internacionalista e Jurista
Colunista do Vitória Imperial
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