CARNAVAL SEM O CARETA NÃO TEM GRAÇA

 Era dia de carnaval em Batalha. O ano não importa, mas era a década de 40. Período por excelência de uma geração embalada pela efervescência de nossos maiores músicos de todos os tempos.

O martelo do relógio da matriz acabava de bater duas vezes no beiço magoado do velho sino. O sol rachava o ar sem piedade; uma mistura trêmula de um forte clarão na linha do horizonte capaz de cegar quem demorasse olhando.

Descendo a ladeira do cemitério sob fortes piscadas o Careta, vestido de padre, com botina e a batina sobre uma velha calça de algodão; os braços encobertos por camisa de mangas longas e umas luvas emprestadas para dificultar o reconhecimento. Tinha que ser assim, senão perdia a graça.

Aquela figura metia medo até em gente grande. Na altura do Riacho da Usina uma cambada de meninos o seguia de perto, rumo às quadras que resumiam as principais ruas por onde começou o povoado, chamado no início da colonização de " Freguesia".

O folião carregava consigo um chicote de embira trançada, que servia para assustar os mais afoitos. Não falava, parecia urrar, zurrar, rinchar. qualquer coisa que disfarçasse a voz humana. Precisava ser forte e disposto a enfrentar a brincadeira sob o sol de quarenta graus nas ruas. 

Alguns foliões tratavam de preservam a figura, símbolo de nosso carnaval. Verdadeiros guarda- costas do Careta.  O mais dificil era  garantir a fuga numa direção segura, para logo depois aparecer, antes que alguém  sentisse falta daquele jovem descaraterizado. Era alvoroço para saber quem iria descobrir primeiro: Ou será aquele bodegueiro  que saiu ano passado? Ele não era, pois acabei de vê-lo tomando um trago em sua bodega. E aquele senhor meio gordo que não bebe, mas se faz e engana todo mundo nos bailes? Também não pode ser. Como iria esconder sua barriga? (Risos).

Cadê aquele dono da farmácia da praça da sapucaias? Podia até ser, mas saindo assim apeado todo mundo ia perceber. Lembra em que no ano em que brincou montado num cavalo foi descoberto por conta do defeito no pé, tanto que sumiu em disparada ao rumo do Riacho? (Risos)

Acreditem quem quiser, mas teve beata capaz de jurar a alma daquele padre que mais tempo passou à frente da igreja. Quem sabe, seria um frei lá do mosteiro de Tianguá que, depois de morto, veio pregar uma peça no povo mundano?

O mestre dos mestres comandava a bandinha tocando os sucessos carnavais famosos. Máscaras eram feitas com moldes em barro de louça e papel de saco de cimento, grudado com cola à base de goma de mandioca. Retalhos de panos costurados nas bordas para encobrir os cabelos

Ficou o dito pelo não dito. Naquele ano, o Careta não foi descoberto. Aquele menino sabia, mas quem lhe contou pediu segredo pela alma dos que já se foram.


Autoria: George Machado Tabatinga (foto)



Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.