Carlos Egert analisa: EUA, Venezuela e Brasil — os vetores da política externa em choque - Vitória Imperial

Carlos Egert analisa: EUA, Venezuela e Brasil — os vetores da política externa em choque

 


Vitória Imperial entrevistou o internacionalista, jornalista, cientista político e jurista Carlos Egert, atual presidente do Diretório Monárquico do Brasil, que oferece uma leitura minuciosa sobre o atual tabuleiro da política externa no continente. Em meio à escalada entre Washington e Caracas — que vai de sanções renovadas a um inédito adensamento militar no Caribe — o Brasil tenta manter margem de manobra diplomática.


A seguir, a íntegra da conversa no formato de perguntas e respostas:


Vitória Imperial — Qual é o “estado da arte” da política dos EUA para a Venezuela hoje?
Carlos Egert — Há três eixos simultâneos: (1) sanções direcionadas ao círculo estatal-militar venezuelano, reforçadas em jan/2025; (2) pressão para reverter/contestar o resultado da eleição de 28/7/2024, considerada inconsistente com a vontade popular por Washington; e (3) sinalização de poder no Caribe, com destróieres e meios aéreos sob a justificativa antidrogas. Essa tríade combina coerção econômica, deslegitimação política e dissuasão militar, típica de uma estratégia de compellence.

Vitória Imperial — Como as sanções evoluíram desde 2023/2024?
Carlos Egert — O alívio parcial concedido em 10/2023 ao setor de óleo e gás expirou em 4/2024 (GL-44), seguido de janela de “wind-down” até 31/5. Em 11/2024 e 1/2025, o Tesouro voltou a listar autoridades e quadros ligados à repressão, consolidando o retorno ao modelo de sanção focalizada (SDN) em vez de sanções setoriais amplas.

Vitória Imperial — E o componente militar? É puramente antidrogas?
Carlos Egert — Formalmente, sim: os EUA vinculam o build-up naval à perseguição de cartéis e de redes como o Tren de Aragua, designado como organização terrorista em 2025. Politicamente, porém, é gunboat diplomacy: projeta custo reputacional e operacional a Caracas e cria alavancas para negociação — sem cruzar o limiar de intervenção.

Vitória Imperial — Onde o Brasil entra?
Carlos Egert — Brasília atua em “autonomia pela diversificação”: critica abusos e pede garantias a opositores, mas evita a lógica de cerco. Em 2024, cogitou-se nova eleição como saída; em 2025, o Itamaraty registrou “grave preocupação” com violações pós-pleito. Ao mesmo tempo, o Brasil assumiu funções de potência protetora em Caracas para missões de países terceiros — um indicativo de capacidade de mediação consular.

Vitória Imperial — Essa postura brasileira é sustentável diante da escalada?
Carlos Egert — É uma equilibração difícil. O adensamento militar dos EUA e a deterioração comercial (como a retirada de benefícios a produtos brasileiros reportada em 7/2025) comprimem espaço de neutralidade. A opção racional para o Brasil é liderar um “track-two/track-one-and-a-half”: garantias à oposição, cronograma verificável e incentivos econômicos graduais condicionados a passos concretos — em vez de “tudo ou nada”.

Vitória Imperial — E quanto à legitimidade do pleito de 2024?
Carlos Egert — O núcleo do contencioso é processual: tabulação opaca e repressão a atores oposicionistas. A posição dos EUA foi de “sérias preocupações” e pedido de publicação de atas; desde então, as medidas punitivas miram quem operacionalizou a repressão. Em termos de teoria democrática, estamos no terreno de autoritarismo eleitoral.

Vitória Imperial — O foco em cartéis altera a lógica da relação EUA-Venezuela?
Carlos Egert — Sim, porque securitiza o problema migratório e criminal, conectando-o a terrorismo e ao Tren de Aragua. Isso amplia o consenso doméstico nos EUA para medidas duras e cria interdependência coercitiva: Caracas tem menos fichas para jogar sem cooperação transnacional.

Vitória Imperial — Qual seria um roteiro de saída não-zero-soma?
Carlos Egert — (1) Mecanismo de verificação eleitoral sob auspícios regionais; (2) sequenciamento de sanções: alívios reversíveis atrelados a milestones (libertações, garantias de competição, calendário eleitoral); (3) cooperação antidrogas com governança supervisionada; e (4) seguros de transição para elites civis-militares, reduzindo custo de defecção. É um bargain condicional, não um cheque em branco.

Vitória Imperial — Em uma linha: qual o risco dominante?
Carlos Egert — Escalada inadvertida. Com ativos navais próximos e incentivos domésticos para demonstrações de força, erros de cálculo podem fechar a janela para a diplomacia coercitiva e empurrar a região para uma crise de segurança de alto custo humano.

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