Europa ao palco das imagens
EUROPA AO PALCO DAS IMAGENS
Quando se evoca o nome Václav “Vasco” Egert (1910–1992), não se trata apenas de resgatar a imagem de um modelo elegante ou de um ator de fotonovelas nos áureos tempos do pós-guerra brasileiro. Trata-se, sobretudo, de recuperar um fragmento vivo da travessia de um século — um homem cujas raízes fincaram-se no âmago da Europa Central, mas cujo destino floresceu entre os bastidores da cultura popular brasileira.
Nascido em 16 de outubro de 1910, em Praga, então coração do Império Austro-Húngaro, Egert pertencia a uma família de comerciantes bem-sucedidos e, sobretudo, guardava em sua linhagem a marca indelével da aristocracia europeia. Pelo lado paterno, descendia de Francis Egerton, 1º Conde de Ellesmere, representante da nobreza britânica. Pela linhagem materna, era neto de Roberto I, Duque de Parma, da ilustre Casa de Bourbon-Parma. Ainda na infância, atravessou o colapso dos impérios centrais, a instauração da Tchecoslováquia republicana e, mais tarde, os ventos ameaçadores do totalitarismo. Já na juventude, viu-se forçado a deixar a Europa — não apenas por razões políticas, mas também em busca de sobrevivência espiritual e dignidade social.
Chegando ao Brasil em 1948, já em plena maturidade, Egert encontrou no país tropical um palco inesperado para a construção de sua segunda existência. Com porte aristocrático, feições marcantes e um silêncio que sugeria muito mais do que dizia, foi prontamente acolhido pelas emergentes indústrias de moda e comunicação visual. Tornou-se modelo da marca Ducal, ícone da elegância masculina da época, e desfilou nos célebres festivais promovidos pela Rhodia, símbolos de um Brasil moderno que buscava aliar sofisticação europeia e identidade tropical.
Mas foi nas fotonovelas — esse gênero híbrido entre o teatro e a imagem estática — que Václav Egert consolidou sua presença pública. Participou da revista Sétimo Céu, entre outras publicações populares das décadas de 1960 e 1970. Com expressão serena e enigmática, encarnava o arquétipo do homem íntegro, paternal ou melancólico, sempre inserido em tramas sentimentais de forte apelo emocional. Era a imagem, em papel fotográfico, do estrangeiro respeitável — discreto, culto e elegante — que conquistava o afeto do público sem uma palavra sequer.
Mais do que um personagem da moda ou da dramaturgia popular, Egert simbolizava uma fusão rara: um europeu exilado que se tornava ícone da cultura visual brasileira, sem jamais trair a dignidade de sua memória ancestral. Casou-se com a também tcheca Svetluška Smutná, com quem teve dois filhos: Václav Karel Egert e Stewart James Egert. Sua descendência aristocrática seria marcada pelo mesmo compromisso com a elegância moral e intelectual — como atesta seu neto, o ator e escritor Carlos Egert, que hoje se empenha em preservar esse legado com rigor e sensibilidade.
Václav Egert faleceu em 13 de novembro de 1992, no Rio de Janeiro. Deixou poucas palavras — mas uma herança de imagens. Escassos registros oficiais, mas profundas impressões naqueles que o viram nas silhuetas impressas, nos olhares silenciosos que diziam tanto quanto os diálogos inscritos nos balões das fotonovelas. Sua presença permanece como uma nota grave e delicada no grande coral das migrações, das artes discretas e das vidas que resistiram — sem espetáculo, mas com imensa dignidade.
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