Jogador da Seleção transferiu R$ 4 milhões a juiz investigado pelo MPF
Investigado por suspeita de ter adquirido patrimônio incompatível com a renda, o juiz federal Alderico Rocha Santos recebeu R$ 4,1 milhões do jogador de futebol Arthur Melo, que atua na Europa e já foi campeão da Copa América com a Seleção Brasileira. O valor repassado pelo atleta goiano foi usado pelo magistrado para comprar duas fazendas, ao custo total de R$ 33,5 milhões, no Tocantins.
Segundo a denúncia feita contra o juiz da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, o magistrado indicava pessoas para pagar as parcelas do imóvel, por meio de cheques ou transferências. O Ministério Público Federal acusa Alderico Santos de não conseguir comprovar a renda para multiplicar o patrimônio em mais de 10 vezes e pediu a sua aposentadoria compulsória.
O juiz responde a um procedimento administrativo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O processo tem como base o relato de Adriane Borges Inácio Campos, dona da Fazenda Mata Azul, em Britânia (GO), comprada por Alderico Santos por R$ 15 milhões.
Adriane Borges é autora da reclamação disciplinar que deu início às investigações. Na denúncia, ela incluiu conversas que manteve com o magistrado e comprovantes de depósitos, entre eles, uma transferência de R$ 4,1 milhões feita em nome do jogador Arthur Melo.
Procurado pela coluna, Alderico Santos confirmou que recebeu o valor do atleta, mas ponderou que tudo ocorreu dentro da legalidade.
“O Arthur, eu vendi uma terra pra ele. Tudo documentado, tudo comprovado. Saiu da conta dele direto para a mulher [Adriane Campos] que me vendeu a terra, tudo comprovado, tudo documentado. Nada de errado”, afirmou o juiz. Questionado se poderia dar mais detalhes sobre o imóvel comprado pelo jogador, o magistrado completou:
“Em 2003, eu adquiri uma chácara de sete alqueires na periferia de Goiânia. E, com o passar do tempo, ela valorizou porque duplicaram a rodovia e construíram o terminal de ônibus em frente à chácara. Aí eu vendi para um pessoal que não deu conta de pagar. Aí eu peguei a terra, e um corretor me procurou falando que o Arthur queria comprar. E eu vendi para o Arthur pelo mesmo preço que eu já tinha negociado”.
Nascido em Goiânia, Arthur se formou na base do Goiás e defendeu o Grêmio. No clube gaúcho, o jogador brilhou e foi negociado com o Barcelona, da Espanha. Em seguida, o meia passou a atuar na Itália, defendendo a Juventus. Teve uma passagem pelo Liverpool, da Inglaterra, e retornou à Itália, onde atualmente integra o elenco da Fiorentina. Pela Seleção Brasileira, disputou as Eliminatórias para a Copa de 2018 e foi campeão da Copa América de 2019.
A coluna não conseguiu contato com a assessoria do jogador. O espaço segue aberto. Ressalte-se que apenas o juiz é investigado, e não o atleta.
Conversas gravadas
As conversas entre Adriane Campos e Alderico Santos mostram vários desentendimentos envolvendo a compra da fazenda, motivados por atrasos nos pagamentos, pelos juros da negociação, pela entrega de comprovantes e pela retirada de pertences da ex-proprietária.
“Ô Adriane, cê pirou, cê tá com problema mental? Que eu passei hoje lá na agência e depositei inclusive dinheiro na sua conta, você tá louca falando que essa conta não é sua, você é anormal? Então tem todos os comprovantes de depósito, a conta é sua, tive lá, depositei. Inclusive hoje foi depositado quase 5 milhões na sua conta.”
“Adriane, você é tão mau-caráter, merece uma resposta à altura do seu comportamento. Esse áudio você fala que a conta não é sua, eu já vou passar para o seu irmão, o Rilton, e vou passar para todos os corretores, você é muito mau-caráter, você é nojenta de pessoa ruim”, diz Alderico Santos em áudios enviados à proprietária da fazenda.
Adriane Borges respondeu: “O dinheiro que entrou na conta tá na conta, o comprovante chama a conta, eu tenho todos os comprovantes que você pagou, todos, tem dia, tem tudo, essa conta Britânia ela nunca existiu, essa conta de Britânia nunca existiu em lugar nenhum. Desde o primeiro dia, foi colocado dinheiro na conta daqui de Goiânia, você mandou uma pessoa fazer uns TED em conta de Britânia que nunca existiu? Eu só falei que aquele dinheiro não veio pra minha conta nem saiu da conta da pessoa. Tá?”.
“Eu tenho responsabilidade e eu sei que você pagou, eu tenho tudo. Que comprovante no seu nome não tem nenhum, tudo em nome de terceiro. Mas como eu sei que você pagou, o dinheiro veio docê, é diferenciado. Agora você pode ter certeza, o que você mandou pagar tem o nome de um por um, tem o nome daquele prefeito lá de Anápolis que você pagou, tem nome de todo mundo que você pegou dinheiro e pagou as coisas minhas. Tem tudo”, disse a proprietária.
Apesar de citar um “prefeito de Anápolis” na conversa, não há o nome de nenhum gestor da cidade na denúncia feita pelo MPF. O atual prefeito de Anápolis é Roberto Naves (Republicanos), que ocupa o cargo desde 2017.
Em nota enviada à coluna, o prefeito disse desconhecer a negociação em torno das fazendas e as pessoas envolvidas. Ele afirmou ainda que vai adotar medidas judiciais. “Não há qualquer citação ao nome do prefeito Roberto Naves no processo, tampouco houve pagamento por parte dele ou da Prefeitura de Anápolis ao juiz em questão. O prefeito e a administração municipal já estão tomando as providências judiciais cabíveis contra esta mentira”, pontuou.
Em contato com a coluna, o juiz Alderico Santos também negou qualquer negociação envolvendo o prefeito Roberto Naves. “O prefeito de Anápolis, não conheço, não fez nenhum depósito, nenhum pagamento. Não tenho qualquer relação com o prefeito”, disse o magistrado.
“Patrimônio incompatível”
Para a procuradora federal Ana Paulo Mantovani Siqueira, do MPF-GO, autora do pedido de aposentadoria compulsória contra o magistrado, Rocha Santos apresenta evolução patrimonial incompatível com sua renda como magistrado.
“O valor total apenas das duas fazendas compradas pelo magistrado em 2022 supera em mais de dez vezes o patrimônio declarado em 31/12/2008, o que reforça a necessidade de aprofundamento das investigações para análise da licitude da origem dos bens, uma vez que o exponencial crescimento patrimonial, salvo melhor juízo, não parece guardar compatibilidade com os rendimentos recebidos pelo desempenho de cargos públicos”, observa a procuradora.
Em sua defesa, Santos alegou que os pagamentos se referem a imóveis vendidos pelo magistrado. Ele também atribuiu sua evolução patrimonial ao trabalho como juiz desde 1997, a dinheiro recebido do pai, venda de imóveis e rendimentos como sócio de um curso de disciplinas jurídicas, além da atividade pecuária.
Os argumentos não foram acolhidos pela procuradora, que apontou a ausência de documentação que comprovasse as fontes de renda. “Não obstante a argumentação, a evolução do patrimônio do juiz reclamado não foi demonstrada documentalmente, sobretudo, em suficiência e adequação para fazer frente aos vultosos negócios aqui em consideração. De fato, o magistrado não apresentou provas dos recursos recebidos de seu genitor e da destinação que lhes foi dada; dos vencimentos recebidos pelo desempenho dos cargos públicos; dos lucros auferidos na exploração da atividade educacional; nem dos ganhos com a atividade pecuária e com os investimentos imobiliários”, disse Mantovani.
“Dessa forma, não houve comprovação do desenvolvimento lícito do patrimônio do reclamado de modo a justificar a capacidade econômico-financeira revelada com a aquisição das fazendas referidas nestes autos pelo substancial montante de R$ 33.558.000,18”, concluiu.
Defesa
Procurado, Alderico Santos se defendeu da acusação. “Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276 alqueires de terra, que era três vezes mais do que a terra que eu tenho hoje, que é de 400 e poucos alqueires, que corresponde a R$ 33 milhões. E, em 1991, por questão de direito hereditário, minha mãe faleceu, eu já tinha uma fazenda lá no Maranhão.”
“Eu fui advogado da Caixa Econômica, juiz estadual, procurador da República, trabalhei em bancos. Então, quando eu ingressei na Justiça Federal, meu patrimônio já era três vezes mais do que o que eu tenho hoje”, disse.
Alderico Rocha Santos responde a um processo administrativo disciplinar aberto pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em dezembro de 2023. Ele foi afastado, pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das funções como juiz titular da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás e escalado como auxiliar na 16ª Vara Federal.
Além das fazendas milionárias, o patrimônio de Rocha Santos inclui carros de luxo e empresas. Seu nome aparece como sócio da Agropecuária Sucesso, em Britânia (GO), mesma cidade em que está localizada uma das fazendas compradas pelo juiz, por R$ 15 milhões.
A empresa tem quatro CNPJs, referentes a uma matriz e uma filial com os mesmo nomes e às fazendas Ferrão de Prata e Capão de Anta. A atividade principal da agropecuária é criação de bovinos de corte como atividade principal e o capital social registrado da empresa é de R$ 39 milhões. O juiz também é sócio do Residencial Pôr do Sol, empreendimento imobiliário na cidade de Nazário (GO) com capital social de R$ 660 mil.
Em seu nome, Rocha Santos tem pelo menos quatro veículos, sendo duas motos Honda CG e XLR 125 modelos 1999 e 2000, um Gol modelo 2007 e um Ford Mustang Mach 1 modelo 2022. No mercado, um Mustang Mach 1 2022
usado pode custar até R$ 510 mil.
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