D. Pedro I: o imperador imortal (1798-1834)

D.Pedro foi amado e odiado na mesma medida tanto em vida quanto em morte. Ele é uma das personagens mais célebres da história brasileira e protagonizou uma existência cheia de ironias, reviravoltas e desafios. Com apenas 24 anos proclamou a Independência e cerca de dez anos depois conquistou toda Portugal. Fez centenas de amigos, admiradores e inimigos, teve múltiplas amantes e duas esposas. Deixou um legado marcante e talvez nunca tenha morrido, pelo menos não na memória das pessoas.
Pregados à parede, d. Quixote de la Mancha e seu fiel escudeiro Sancho Pança, observaram o nascimento de d. Pedro em 12 de outubro de 1798 no Palácio Real de Queluz, em Lisboa, Portugal. Ele foi o quarto dos nove filhos de d. João VI e sua esposa espanhola d. Carlota Joaquina. Desde logo teve um título: príncipe da Beira.
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Antes dele haviam nascido três filhos, incluindo um varão, d. Francisco Antônio, mas o destino quis que o mesmo falecesse em 1801, fazendo de Pedro o herdeiro do trono. Apesar de seu pai não ser rei, de fato, governava Portugal em nome da mãe, a rainha d. Maria I, acometida de uma doença mental.
Em Queluz d. Pedro permaneceria durante os primeiros anos da infância, quase sozinho, sem nenhuma assistência dos pais. “Não deve ter sido uma criança muito feliz. Pouco amado pela mãe, que preferirá a ele o irmão mais novo, d. Miguel, d. Pedro era querido pelo pai, mas este, reservado e depressivo, mantinha-se igualmente afastado do filho. As afeições que teve na infância foram as dos mestres e, principalmente, a de d. Antônio de Arábida, seu confessor” (LUSTOSA, 2006, p. 25).

D. João governava desde Mafra, e d. Carlota residia na Quinta do Ramalhão. D. Pedro e seus irmãos só tinham a companhia um dos outros e da avó louca, que de vez em quando passeava nos jardins ao lado de suas criadas e médicos. Obviamente possuía o príncipe muitos criados. Está registrado que teve pelo menos três amas de leite. Aos cinco anos teve o primeiro professor, José Monteiro da Rocha, catedrático de matemática de Coimbra. Frei Antônio da Nossa Senhora de Salete seria seu professor de latim, o cônego René Pierre Boiret, seu professor de francês, e o padre Guilherme Paulo Tilbury, seu professor de inglês.
Descrito como uma criança “bonita, viva, inteligente e perspicaz”, o príncipe curiosamente tinha um enorme interesse pela França, país que sob o comando de Napoleão Bonaparte desafiava o mundo. O autoproclamado imperador cortava o mundo em duas partes: os que o apoiavam e os que lutavam contra ele. Precisamente em novembro de 1806 imporia um Bloqueio Continental a Inglaterra, proibindo as nações europeias de manter negociações comerciais com o país.
Portugal tinha que se decidir por um dos lados. A situação era difícil. O próprio conselho de d. João dividia-se. Além disso, acrescentava-se a pressão espanhola, que conquistara a cidade de Olivença anos antes, e que já apoiava a França. Em 8 de setembro d. João recebeu uma carta de Napoleão clamando por uma reposta. Em 27 de outubro o corso assinou o Tratado de Fontainebleau, prometendo dividir Portugal com a Espanha.
Dois dias depois d. João e sua corte partiram rumo ao Brasil, sua colônia mais rica. A invasão a Portugal era iminente. Uma decisão precisava ser tomada e foi. Após três meses de uma longa e tediosa travessia pelo mar chegaram a Salvador. Era a primeira vez que um príncipe pisava nas Américas. Era 22 de janeiro de 1808. Para o Brasil, era um dia de imensa alegria. Mudava um aspecto do mundo, do seu mundo. No Rio de Janeiro d. Pedro se estabeleceria com o pai e o irmão d. Miguel em São Cristóvão, enquanto sua mãe e suas irmãs fixariam residência em outro local.
“Era livre. D. Carlota Joaquina, instalada em suas casas em Mato-Porcos e Botafogo, não queria saber dele; e d. João, ocupado com o governo, ainda mais difícil para si do que já o era, não tinha tempo para ele. Podia fazer o que queria, senhor do seu nariz.E fazia. Andava a cavalo, trabalhava em seu ofício de marceneiro, corria atrás das criadinhas, das açafatas, das escravas. Brincava e se acompanhava das gentes que o serviam” (COSTA, 1974, p. 49, 50).
Aos 19 anos, em 13 de maio de 1817, foi casado com a arquiduquesa Maria Leopoldina. Na luxuosa cerimônia celebrada na Igreja Augustina, em Viena, d. Pedro foi representado pelo arquiduque Carlos, irmão da noiva. Mas só em meados de agosto a notícia do casamento chegaria ao Rio de Janeiro, motivando grandes comemorações. Durante esse período fez o primeiro grande sacrifício pela coroa, deixou sua amante, a atriz francesa Noemi Thierry.
[…] tinha consciência de que cumpria sacrificar-se à dinastia, cumpria receber a noiva que o destino lhe trazia, unindo politicamente os dois reinos. Já conhecia muito o mundo para saber da importância para seu país daquela união. E, certamente, não hesitara em acatar as resoluções do Estado (COSTA, 1974, p. 58).

No tocante a política d. Pedro nesse período não participava dos conselhos ministeriais. Era preterido por sua irmã mais velha, a princesa d. Maria Teresa de Bragança, mais alinhada as ideias conservadoras do pai. Somente Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos e último vice-rei do Brasil, dava atenção e discutia política com o príncipe, que ao ler Benjamim Constant e Caetano Filangieri tornou-se um liberal.
O ano de 1820 seria um ano fatídico para d. Pedro, Portugal e em especial para o Brasil. Neste ano teve lugar a Revolução Liberal do Porto, que obrigou d. João VI e a Família Real a regressar a Europa. D. Pedro, em contrapartida permaneceu no Brasil, sendo nomeado príncipe-regente. Não demoraria muito e as relações entre a colônia e a metrópole se deteriorariam. Neste momento entra em cena José Bonifácio, homem que teve um papel preponderante no processo de Proclamação da Independência ao lado de d. Leopoldina.
O primeiro encontro de ambos aconteceu na Fazenda de Santa Cruz em 17 de janeiro de 1822, onde a princesa se encontrava desde o dia 12, devido a distúrbios na capital causados pelas tropas portuguesas rebeladas sob o comando do general Avilez. Foi ela inclusive a encarregada de lhe dar a notícia de sua nomeação como novo secretário do Reino, Justiça e Negócios Estrangeiros. Bonifácio havia redigido em nome dos paulistas uma carta solicitando a permanência de d. Pedro no Brasil, evento que aconteceu em janeiro.
Em 4 de fevereiro uma tragédia atingiu príncipe-regente. Seu filho, o príncipe d. João Carlos, de apenas nove meses, que estava enfermo desde a sublevação faleceu em meio a convulsões que duraram cerca de 28 horas. D. Pedro ficou arrasado e:
Após o falecimento do filho, farto dos adiamentos da ida das tropas para Portugal, d. Pedro embarcou a 9 de fevereiro na fragata União e dirigiu-se para Niterói, onde intimou os comandantes portugueses. Tinham até o dia seguinte para começar o embarque, caso contrário as declararia inimigas e os fortes e navios lhes abririam fogo. Em dois dias partiram.“Se antes d. Pedro havia se mantido fiel aos desígnios das Cortes, após o “Fico” e a consequente morte do filho, ele passou a atacá-las. Qualquer mínimo respeito que ele ainda tinha em relação à Assembleia Portuguesa morreu junto com seu filho, a quem o frei franciscano Monte Alverne se referiria futuramente como “protomártir da independência brasileira” (REZZUTTI, 2017, p. 276). ¹
Em 7 de setembro do mesmo ano às margens do rio Ipiranga d. Pedro deu o célebre grito “Independência ou Morte”. Era o início da uma nova etapa para a história do Brasil e para a trajetória do agora imperador. Na mesma noite foi aclamado num camarote no Teatro da Ópera, no Pátio do Colégio o “primeiro rei brasileiro”, pelo brado levantado na plateia pelo padre Ildefonso Xavier. Entre as pessoas ali presentes encontrava-se Domitila de Castro Canto e Melo, a futura marquesa de Santos que havia se tornado sua amante dias antes.

Ao regressar ao Rio de Janeiro, d. Pedro I seria aclamado e coroado imperador e daria início a formação do governo recém-independente do Brasil. A promulgação da Constituição lhe renderia muitas dores de cabeça assim como a Guerra de Independência que teve lugar entre os anos de 1822 e 1824.
O exílio de José Bonifácio e seus irmãos também lhe deixou numa situação desconfortável. A emancipação política de nosso país só seria reconhecida no Tratado de Paz e Aliança em 1825. No ano seguinte em 24 de março o imperador recebeu a notícia da morte de seu pai aos cinquenta e nove anos.
“A morte do rei de Portugal dava início a uma crise dinástica que só terminaria oito anos depois, em 1834. Como o conselho de Estado brasileiro deu parecer desfavorável à aceitação da Coroa portuguesa, d. Pedro redigiu, junto com o seu secretário, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, uma constituição para Portugal nos moldes da Carta brasileira. Outorgou-a como d. Pedro IV de Portugal, em 29 de março, e renunciou ao trono português no dia 3 de maio, em favor de sua filha, Maria da Glória, futura d. Maria II” (REZZUTI, 2017, p. 114). ²
Em dezembro de 1826 d. Leopoldina faleceu. D. Pedro que estava em Torres no Rio Grande do Sul, para fiscalizar como iam os esforços em prol da Guerra da Cisplatina, foi informado quatorze dias depois. Sem a esposa benevolente, de costumeiro sangue frio e com um tino político aguçado para contrabalançar a falta de tato de d. Pedro podemos considerar que a popularidade deste, aliada aos problemas políticos enfrentados no Parlamento entre liberais e conservadores, e os conflitos violentos nas ruas entre portugueses e brasileiros, decairia vertiginosamente culminando em sua abdicação do trono em abril de 1831.
Mas isso não é o fim de sua história. Na Europa d. Pedro lançaria uma expedição contra seu irmão D. Miguel, que se apossou do trono de Portugal. A coroa pertencia a filha de d. Pedro I, a princesa d. Maria da Glória. Após encontrar-se com a família real francesa nas Tulherias, o ex-imperador e agora duque de Bragança aos 33 anos partiu para a sua primeira e última guerra.

D. Pedro negociou apoio à causa da filha mais velha com homens de armas, políticos de diversas nacionalidades e financistas. Era uma loucura aquela expedição! Seus soldados eram constituídos por um pequeno grupo: iriam combater um exército de 75 mil homens, que teria a vantagem de só se defender. Além do mais, d. Miguel contava com o apoio da Igreja Católica e dos nobres conservadores.
Mas o impossível aconteceu: as tropas liberais conseguiram dominar Ponte Ferreira. Após algum tempo de cerco a cidade do Porto caiu nas mãos de d. Pedro. Logo depois foi a vez da queda de Lisboa. D. Pedro e seus homens assim tinham as duas principais cidades do país, a econômica e a política, sob seu domínio. E embora a situação territorial ainda fosse favorável a d. Miguel, os liberais tinham firmeza e garra na luta. O apoio da França e da Inglaterra se fizeram imprescindíveis neste momento.
Mais vitórias se seguiram:
Na batalha de Almoster, Saldanha causara uma devastação no meio dos miguelistas. Sá Bandeira fizera um avanço por várias cidades. Napier desembarcara e, montando num burro ou numa égua, conquistara outras tantas, como Viana, Ponte de Lima, Valença. O duque da Terceira varrera Trás-os-Montes e a Beirra e alcançara Lamengo, depois Viseu e Coimbra, e finalmente a maior parte do Exército de d. Miguel, na batalha de Asseicera. Estava liquidado o poder absoluto em Portugal (COSTA, 1974, p. 203).
D. Pedro foi duramente criticado por aceitar a rendição de d. Miguel e por ser brando com ele. As condições eram muito clementes. A anistia geral foi estabelecida, d. Miguel pode deixar Portugal e ainda receberia uma pensão de 60 contos de réis por ano. No entanto, o duque de Bragança, título que ostentava após a abdicação do trono brasileiro, não viveu muito para desfrutar de seus ganhos e ouvir críticas. Ele faleceu no mesmo quarto que nasceu em 24 de setembro de 1834. A causa? Tuberculose…
Um corpo, diversos enterros
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Se na morte encontramos a paz eterna, este não foi o caso de d. Pedro I. Poucos sabem, mas o monarca foi sepultado em quatro ocasiões diferentes. A primeira foi logo depois de seu último suspiro em setembro de 1834. Em 1972 d. Pedro atravessou o Atlântico pela terceira vez, após seu corpo ser localizado e retirado do Panteão dos Bragança no Mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa, ele foi sepultado no então recém-construído Monumento à Independência em São Paulo. Foi um evento apoteótico para comemorar os 70 anos da Independência de nosso país.

Em meados de 1987, algo não muito majestoso aconteceu. Devido a inundações no Monumento à Independência obras emergências tiveram que ser realizadas no local. Assim os caixões de d. Pedro I e suas duas esposas, d. Leopoldina e d. Amélia, tiveram de ser transladados ao Salão Nobre do Museu Paulista, onde ficaram em exposição aos pés do quadro Independência ou Morte do pintor paraibano Pedro Américo. A obra foi encomendada por seu filho d. Pedro II, nos anos finais de seu reinado no auge do Romantismo brasileiro.
D. Pedro I teve seu descanso perturbado mais uma vez em 2012. Porém, o motivo dessa perturbação era muito diferente das anteriores. Uma grande equipe da Universidade de São Paulo liderada pela arqueóloga Valdirine do Carmo Ambiel exumaram, estudaram e realizaram processos de preservação nos cadáveres que repousavam na cripta do Monumento à Independência. O estudo trouxe a figura do imperador mais uma vez para as capas de revistas e jornais. D. Pedro foi destaque não somente no Brasil, como no mundo inteiro.
Sobre uma imortalidade mesclada com lenda
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É muita vasta a quantidade de obras nas quais d. Pedro I foi e é retratado. Seja nas telas do cinema, na televisão, em livros ou em documentários, o fato é que d. Pedro I é uma figura sumamente conhecida pela maior parte dos brasileiros. Grande é a sua popularidade também em Portugal, país onde nasceu e morreu, e conquistou em apenas três anos.
Se d. Pedro II é visto com admiração e certa pena por parte das pessoas. O imperador era um homem culto e dedicado, mas acabou sendo destronado e exilado para a Europa em 1889, seu pai, d. Pedro I, é visto como um homem irreverente, altivo, déspota e no pior dos adjetivos canalha. Isso mesmo que você leu, canalha. Canalha porque foi e é julgado devido ao tratamento que concedeu a esposa, d. Leopoldina, durante os anos finais da vida da mesma que coincidiram com o período no qual manteve uma relação amorosa pública com a mulher que concedeu um título: o de marquesa de Santos.

Independentemente das críticas e do juízo de valores morais, éticos, políticos, sociológicos e religiosos que caiam sobre d. Pedro, o fato é que ele nunca sai de moda. Talvez o primeiro imperador do Brasil e vigésimo oitavo rei de Portugal deva começar a se encarado de uma maneira mais humana, contemplando o contexto micro e macro no qual estava inserido. Tire d. Pedro do quadro frio e sem vida pendurado na parede. Pesquise e descubra mais sobre a vida desse homem que afrontou e foi afrontado, venceu e perdeu, riu e chorou e morreu ainda jovem. Mas será mesmo que ele morreu?
Este artigo foi redigido por Fernanda Flores. A autora permite a livre divulgação deste texto e a tradução integral ou parcial do mesmo, sem alterações ou falsificações, para outras línguas desde que seja citada a fonte e a autoria.
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Notas de referência ou explicativas:
¹ Está citação encontra-se no livro Leopoldina: a história não contada
² Está citação encontra-se no livro Domitila: a verdadeira história da marquesa de Santos
³ Está citação encontra-se no livro Leopoldina: a história não contada
Fontes consultadas:
REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: A história não contada. A mulher que arquitetou a Independência do Brasil. 1° ed. São Paulo: Leya, 2017.
REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: A história não contada. O homem revelado por cartas e documentos inéditos. 1° ed. São Paulo: Leya, 2015.
COSTA, Pedro Pereira da Silva. D. Pedro I. Coleção A vida dos grandes brasileiros, vol. IX. 1° ed. São Paulo: Três, 1974.
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: Um herói sem nenhum caráter. Coleção Perfis brasileiros. 1° ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006
Fonte: RAINHAS MALDITAS
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