O Império e a República. Afinal, o que foi o Império do Brasil?

O presidente argentino Bartolomé Mitre chamava-o de “democracia coroada”, e tinha razão: era o próprio imperador Dom Pedro II quem dava ordem ao Chefe de Polícia do Rio de Janeiro, para que protegesse as reuniões dos republicanos. Estes eram muito poucos, e o povo lhes era hostil.
Quando dois dias após a proclamação da República o embaixador brasileiro em Quito foi cumprir seu dever de comunicar a mudança de regime político no Brasil, o presidente equatoriano ouviu-o em silêncio, e ao final respondeu: Senhor embaixador, certamente Vossa Excelência espera que eu lhe dê parabéns, e aos brasileiros; mas só posso lhes dar os meus pêsames: o Brasil acaba de cometer o maior erro de sua História, e não levará menos de um século para se recuperar. Foram quase proféticas as palavras desse mandatário: passados 116 anos, o Brasil ainda não se reencontrou.
Em 1889, respondendo a uma carta de seu sobrinho Clodoaldo Fonseca, que queria saber se devia filiar-se ao Partido Republicano, o marechal Deodoro da Fonseca disse-lhe: Não te metas nisso. República, entre nós, é sinônimo de desgraça completa. Só a monarquia é sustentáculo para o nosso Brasil. Se mal com ela, pior sem ela.
Na mesma ocasião, o Senado dos Estados Unidos viveu 45 dias de discursos em elogio ao Império brasileiro e a Dom Pedro II. Alguns anos antes, na Assembléia Nacional Francesa o primeiro-ministro Thiers proferira vários discursos no mesmo sentido; o primeiro-ministro britânico William Gladstone publicara um livro louvando o sistema brasileiro.
Afinal, o que era esse Império? Foi um período de muitas realizações.Dez mil quilômetros de estradas de ferro, antes que os Estados Unidos se resolvessem a adotar esse meio de transporte. Iluminação pública elétrica no Rio de Janeiro e em São Paulo. Um Arsenal de Marinha que construía encouraçados e cruzadores para as nossas forças navais. Uma marinha mercante com mais de oitocentos navios (hoje temos menos que trinta). A adoção do telégrafo e a introdução da fotografia, ambas pioneiras. O primeiro cabo submarino de comunicações ligando as Américas à Europa. O segundo país no mundo a ter rede telefônica. Uma inflação de 1,58% ao ano, fixa, desde 1838 até 1889 (cinqüenta e um anos!), com um total acumulado de apenas 119%. A corrupção era exceção, e não havia impunidade.
A escravidão? Certamente, havia. Mas não foi obra do regime: a Independência já a encontrou instalada, mas desde o início do seu reinado Dom Pedro II lutou contra ela. No entanto, os escravocratas estavam instalados no Parlamento, era preciso agir com cautela porque o imperador dependia de lei aprovada pelo Legislativo, e o caminho foi longo: a Lei Euzébio de Queiroz, que impediu totalmente a vinda de novos escravos; a Lei do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escravas; e, a Lei dos Sexagenários, que libertava todo escravo que completasse 60 anos. Finalmente, veio a Lei Áurea, que extinguiu qualquer situação de escravidão no País.
Deve-se notar, aliás, que os Estados Unidos levaram 86 anos, desde a sua independência, para a abolir a escravidão no seu território; o Brasil, desde a Independência em 1822, só precisou de 66 anos para extingui-la. E, mais: lá a extinção da escravatura precisou de uma guerra que durou quase cinco anos, e matou mais de meio milhão de pessoas; aqui, a Abolição se deu em meio a comemorações populares e brindes de champanhe.
E a República? As estradas de ferro foram quase totalmente desativadas, só agora a iniciativa privada pensa os primeiros passos para revitalizá-las. Passados 116 anos, ainda há residências sem energia elétrica, água encanada, e esgoto sanitário. As Forças Armadas estão sucateadas. Nossa Marinha Mercante praticamente desapareceu dos mares. A inflação chegou a patamares de até 84% ao mês, e a um total acumulado de mais de 9 trilhões por cento até 1994. A corrupção deixou de ser exceção, tornou-se regra protegida pela impunidade.
Mudaram, os brasileiros? Certamente, mas mudaram porque mudou o regime. Antes, era austero e servia de exemplo para o comportamento pessoal de todos; depois, tornou-se permissivo. O regime da política partidária, aos poucos – mas com certa celeridade – inoculou no povo a descrença na honestidade, e a partir disso, tudo degringolou: hoje o País não é mais do que carniça para as hienas que devoram sua carne apodrecida, sempre a postos para mais devorarem. Não há, efetivamente, Lula, Fernando Henrique, ou outro qualquer que dê jeito nisso, o problema reside em mais de cem anos de cultura da impunidade, da certeza de que dinheiro público não tem dono, e por aí afora.
A difícil obra do Império, que estava sendo concluída, foi desfeita pela República. Não pense alguém que aqui se faz apologia do Império, o que se coloca é simplesmente histórico. Mas, é óbvio que o regime republicano acabou com o Brasil. Vem à baila o poema de Monteiro Lobato, narrando o que sucedeu quando Pedro II partiu para o exílio: as hienas debruçaram-se sobre a presa – a Pátria – livres para devorá-la sem que houvesse alguém que o impedisse, como até hoje acontece.

Artigo de Paulo Napoleão Nogueira da Silva, Doutor em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo.
Publicado aqui.

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