A PCE 241 e o Plano Meirelles

Henrique Meirelles é um economista experiente e um homem de aspirações políticas. Presidente do Banco Central durante a era Lula, ele sonha em ser presidente do Brasil. Quando topou ser o Ministro da Fazenda do Temer, sabia que tinha um enorme abacaxi para descascar. Sua missão quase impossível: consertar, em meio mandato, uma economia com 12 milhões de desempregados, 3 anos de recessão, inflação acima da meta, juros altos, déficit primário elevado e dívida pública crescendo rapidamente - com o agravante de integrar um governo que tem limitado capital político para adotar medidas impopulares.
O desafio de Meirelles é parecido com o desafio de FHC quando topou ser Ministro da Fazenda de Itamar, em 1993. Sua fantasia é repetir os passos do tucano, resolver o que parece não ter solução e credenciar-se à corrida presidencial. Para isso Meirelles precisa de um plano. Um plano tão bom quanto o Plano Real. Ele acredita tê-lo. A primeira parte desse plano ficou conhecida como “PEC 241” - o “teto dos gastos públicos”.
A verdade é que Dilma e sua equipe destruíram os fundamentos da nossa política econômica e deixaram o país numa das situações mais difíceis de sair - a chamada estagflação (estagnação + inflação). É a conhecida “sinuca de bico”. Vejam só, se o governo corta os gastos abruptamente, para corrigir o déficit fiscal e evitar a explosão da dívida, contribui para o aprofundamento da recessão, o que acaba por diminuir a arrecadação de impostos, complicando ainda mais o problema que pretendia resolver. Por outro lado, se ele segue tentando animar a economia expandindo o gasto público, acelera a inflação, aumenta o já enorme buraco no orçamento, e precisa emitir mais dívida para fechar as contas - uma dívida que fica cada vez mais difícil de pagar. Isso do ponto de vista fiscal, dos gastos do governo. Do ponto de vista monetário o dilema é parecido: se o Banco Central abaixa os juros para aquecer a economia, a inflação aumenta, se ele sobre os juros para conter a inflação, a atividade econômica cai ainda mais, elevando o desemprego. Complicado, né? Esse é o atoleiro no qual estamos metidos. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Acontece que Meirelles conhece uma lição básica do funcionamento da economia que Dilma nunca aprendeu: as expectativas importam. As famílias e as empresas, quando tomam suas decisões de comprar e investir, o fazem com base numa projeção do futuro. Se o pai de família acha que ele vai manter o emprego, ele pensa em comprar um carro. Se o empregador acredita que suas as vendas vão aumentar, ele contrata novos funcionários. Se, pelo contrário, todos acreditam que as coisas vão piorar, então talvez seja melhor não comprar o carro e não contratar novos funcionários. Para que raciocínios como esses sejam possíveis, é importante que haja previsibilidade na economia. Se o futuro for muito incerto é mais seguro não arriscar. Para que a economia seja previsível, é fundamental que as promessas do governo sejam críveis. É preciso cumprir o que se promete.
Além de destruir as contas públicas e derrubar a atividade econômica, Dilma erodiu um ativo ainda mais valioso: a credibilidade do governo. Essa história de “deixar a meta aberta e, quando atingir a meta, dobrar a meta” pode funcionar nos insondáveis pensamentos da ex-presidente, mas não serve no mundo real. Ao maquiar as contas do governo, escondendo os gastos com pedaladas (que, ao final, custaram seu mandato), Dilma sinalizou ao mercado que seu governo não merecia confiança, pois mentia frequentemente. Divulgava previsões e resultados fictícios. Nesse quadro de incerteza e desconfiança, instalou-se o caos.
Meirelles sabe que não pode fazer o país voltar a crescer do dia pra noite e tampouco pode reconduzir a inflação para a meta por decreto. Qual a saída? Melhorar as expectativas e reconquistar a credibilidade governo. É por esse prisma que precisamos olhar a PEC 241, que limita os gastos públicos por 20 anos.
Como se sabe, PEC significa projeto de emenda constitucional. Se aprovada, a medida passa a vigorar no grau mais elevado no nosso ordenamento jurídico e deve prevalecer sobre leis ordinárias. Para reformar o texto Constitucional exige-se o alto quórum de 3/5 dos deputados e senadores, em duas votações em cada casa legislativa. O que o governo quer sinalizar aos agentes econômicos é que o compromisso é “para valer”. Trata-se de uma medida drástica e até questionável, mas sua intenção é claríssima: reconstruir a credibilidade e a previsibilidade da política fiscal brasileira.
A PEC 241 estabelece um teto global para os gastos públicos, que só podem ser reajustados de acordo com a inflação do ano anterior. E aí mora outro pulo do gato do plano de Meirelles: como a inflação está alta, porém já em trajetória de queda, isso significa na prática que o governo Temer poderá aumentar os gastos em termos reais! Ao contrário de Joaquim Levy, que tentou fazer um brusco ajuste fiscal recessivo de curto prazo (e foi amplamente sabotado por quase todo o espectro político, do PT ao DEM), Meirelles propõe um “pouso suave”, que livra seu chefe de ter que adotar medidas impopulares, dividindo o problema com os próximos cinco sucessores.
Todo estudante de economia aprende logo na primeira aula o incontornável princípio da escassez. O cobertor é curto. Os recursos são limitados. É preciso fazer escolhas, para ter A é preciso abrir mão de B. Incompreensivelmente, nossos políticos e boa parte de nossa sociedade não parecem entender a elementar dinâmica de funcionamento da economia e preferem acreditar que basta ter “vontade” para que os recursos apareçam magicamente para custear todos os direitos que esperamos que o Estado garanta. A PEC devolve o Estado brasileiro ao mundo real, repleto de dilemas. Nossos governantes precisam aprender que aumentar o salário dos juízes significa diminuir os recursos disponíveis para a saúde e para educação. Simples assim. São escolhas que eles precisarão explicar e justificar aos eleitores. Escolhas que a PEC os obrigará a enfrentar.
Quando o governo gasta mais do que arrecada - como tem feito nos últimos anos - ele precisa pegar dinheiro emprestado para fechar a conta. Toda operação de crédito é uma transferência de renda intertemporal, você gasta hoje o dinheiro que só vai ganhar amanhã. Quanto maior a diferença entre o que se gasta e o que se ganha, maior a dívida e maiores os juros dela. A conta nos espera ali na frente. Não tem mágica. Para pagar menos juros basta diminuir a dívida, e para diminuir a dívida basta gastar menos do que se arrecada. É aritmética pura. Um dos principais efeitos da PEC 241 é estabilizar e reverter a trajetória de crescimento da dívida brasileira. Se a medida funcionar, no futuro podemos economizar uma verdadeira fortuna em pagamento de juros. Aliás, além de pagar menos juros, poderemos também pagar menos impostos!
Ao contrário do que muito se falou, a PEC não visa a sucatear a saúde e a educação, que terão seu piso de gastos garantidos e até ampliados pela medida.
É verdade que a PEC 241 não é perfeita e não resolve todos os problemas. Aliás, se não for acompanhada pela reforma da previdência, a PEC pode até gerar uma catástrofe. Há boas críticas e sugestões à PEC escritas por especialistas em contas públicas. De minha parte, diria que ela não ataca diretamente o principal problema da bomba fiscal brasileira - os privilégios da elite do funcionalismo público.
O plano de Meirelles é engenhoso. É ainda cedo para saber se será bem sucedido, como o Plano Real, ou se entrará para a longa lista de fracassos da Nova República, que inclui Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor, Plano de Aceleração do Crescimento e Nova Matriz Econômica. Em qualquer caso, está mais do que claro que manter as coisas como estão é absolutamente insustentável. Em que pesem as mais do que pertinentes críticas e ponderações, não há como ser contra conceitos tão básicos como “restrição orçamentária”, “responsabilidade fiscal”, e “recuperação da credibilidade”. Esse é o plano de voo que temos à mão para sair da pior crise econômica dos últimos 85 anos. Tomara que dê certo!

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